(NR-36) COMENTÁRIOS À NR DOS FRIGORÍFICOS
OS DESAFIOS DE UMA NOVA NR PARA A
SEGURANÇA E SAÚDE DO TRABALHO NOS FRIGORÍFICOS
(imagem: Reporter Brasil)
A NOVA NR-36
Os textos abaixo fizeram parte de um post publicado em Dezembro, comentando os principais desafios da nova NR-36, divulgada nesta sexta-feira (19) pelo Ministério do Trabalho. Voltamos ao assunto com uma seleção dos mesmos argumentos.
Um dos focos da NR-36 é a Ergonomia, enfatizando a adequação e organização de postos de trabalho, adoção de pausas, gerenciamento de riscos, disponibilização de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) adequados, rodízios de atividades, etc.
As regras da nova NR visam reduzir os acidentes de trabalho (19.453) e os óbitos (32) ocorridos no setor no ano de 2011, segundo dados do Ministério da Previdência. Há registros de 15.141 CATs emitidas das quais 817 resultaram em doença ocupacional.
A questão que se coloca é a seguinte: essa NR vai conseguir reduzir os crescentes problemas que afetam os trabalhadores nos frigoríficos? Será que as empresas vão mesmo ficar mais “conscientizadas”? de outra forma, será que por exemplo, a NR do Trabalho em Altura está dando resultados? Vamos aguardar as próximas estatísticas.
As atividades em frigoríficos aceleraram-se em função da crescente demanda mundial de alimentos que o Brasil tem produzido em escala tambem cada vez maior. O Brasil tornou-se o maior exportador global de frango e carne bovina e até 2020, segundo a expectativa do governo federal, mais de 45% desses dois mercados devem ser abastecidos pelos produtos beneficiados nos frigoríricos brasileiros.
Muitos desses frigoríricos se transformaram em gigantes no mercado mundial com dinheiro do governo via BNDES. Ou seja, o governo banca os investimentos, facilita os lucros e arca com os prejuízos dos acidentes e doenças. Será que uma NR vai mudar isso?
A aceleração do agronegócio reproduz-se nos ambientes de trabalho, implicando no agravamento de riscos típicos: exposição constante a facas, serras e outros instrumentos cortantes; realização de movimentos repetitivos que podem gerar graves lesões e doenças; pressão psicológica para dar conta do alucinado ritmo de produção; jornadas exaustivas até mesmo aos sábados; ambiente asfixiante e sob baixas temperaturas. As atividades são fixas e realizadas em pé, com ciclos de trabalhos muito curtos, inferiores a 30 segundos Há ainda a exigência de força no manuseio de produtos, o uso constante de ferramentas de trabalho, como facas, exposição ao frio, umidade e a níveis de pressão sonora elevados.
Não resta dúvida que os principais problemas resultam muito mais de distorções na ergonomia deste tipo de trabalho. Daí porque o debate da nova NR girou muito em torno das “pausas” e do “conforto térmico”.
OUTRAS NRs
A NR 17 (Ergonomia) regulamenta especificamente as questões de ergonomia, determina a adoção de um regime de pausas “nas atividades que exijam sobrecarga muscular estática ou dinâmica do pescoço, ombros, dorso e membros superiores e inferiores” e faz referência à questão da temperatura. Além disso, o artigo 253 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) ordena a realização de intervalos de 20 minutos a cada 1 hora e 40 minutos de trabalho no interior de câmaras frigoríficas. São as chamadas “pausas para recuperação térmica”. Outra NR que fala sobre o “frio” é a NR-15, em relação a pagamento de adicional. Ou seja, já existe lei e norma que não estão sendo cumpridas, mas a publicação de uma nova norma reacende esperanças de que se as outras NRs não eram cumpridas, vamos ver se a 36 “pega”.
O problema é que o cumprimento da NR-17 está condicionada à realização de análises ergonômicas que nem sempre são feitas com o devido critério por parte dos empregadores. Até porque as empresas temem queda em sua produtividade com a concessão de pausas a seus funcionários. Uma nova NR não indica que as análise ergonômicas vão ser incrementadas.
O ritmo intenso e a elevada carga de movimentos repetitivos nos frigoríficos são agravados por outro problema: as baixas temperaturas. Porém, algumas empresas frigoríficas fazem uma leitura diferente do artigo 253 da CLT e entendem que esse regime de intervalos aplica-se somente às chamadas “câmaras frigoríficas” – onde as temperaturas são sempre negativas, para que se possa a congelar a carne.
Na visão do Ministério Público do Trabalho (MPT), as pausas valem para qualquer ambiente “artificialmente frio” – como uma sala de desossa de frango, em que a temperatura fica geralmente na casa de 10oC.
Mas quando um problema vai se tornando insolúvel por conflitos de interesses com o grande capital no nosso país, costumamos criar uma “comissão” ou então mais uma “lei”, “regra” ou “norma”, geralmente por 2 razões: ou para adiar o problema ou então para encontrar uma forma de não resolvê-lo, devido a esses conflitos. O comportamento recorrente de criar comissões e leis acaba trazendo para todos uma espécie de “conforto psicológico” para aliviar a pressão diante da magnitude e inquietude trazidas pelo problema. Afinal, as doenças e acidentes na área de frigoríficos chegaram a um nível alarmante, as demais NRs não estão dando conta e nem as empresas se mexem. O Governo tambem não quer se mexer, pois financia os empreendimentos e arrecada muito com eles. Tanto o Governo como as empresas temem uma redução de lucros e da arrecadação com qualquer legislação restritiva.
Observa-se que o discurso dos debates desemboca sempre na necessidade de “conscientizar as empresas” para reprojetar as tarefas, introduzir pausas e reduzir o ritmo de produção. Mas o mesmo discurso desse diagnóstico admite que as empresas são refratárias a esse diagnóstico. Ora, empresas não se conscientizam, o princípio da conscientização, sob um aspecto social, é muito mais uma tarefa do “oprimido”.
De fato, os “oprimidos” já se conscientizaram, desenvolvem pressões trabalhistas e sindicais que acabam sendo respondidas pela promessa do Governo de mais uma NR. Um documentário publicado no Reporter Brasil mostra claramente o conflito e a sua insolubilidade. Ora, a experiência demonstra que NR não conscientiza empresa, a maioria procura um jeito de escapar da legislação. Auditores Fiscais e trabalhadores alegam que as empresas de frigoríficos quando são auditadas, reduzem o ritmo de produção, contratam mais trabalhadores e reduzem a velocidade das esteiras, ou seja, enganam o governo. Quando a fiscalização acaba, volta tudo ao que estava antes. Se o trabalhador começa a adoecer, elas mandam para o INSS e contratam novos empregados, num odioso círculo vicioso. Ou seja, as empresas burlam a própria fiscalização e o próprio Governo. De qualquer forma, se as empresas forem obrigadas a pagar autos de infração, não há problema, elas já são financiadas pelo BNDES e as multas acabam sendo pagas pelo consórcio Estado-Empresas, melhor dizendo, pela Sociedade.
CONSCIENTIZAÇÃO?
Portanto, não se espere que as empresas “se conscientizem” de nada, a não ser que os seus limites sejam impostos por algum tipo de custo ao seu principal interesse, que é o lucro. Ou seja, não é o limite da lei, mas o peso pelo seu descumprimento. Inexistindo um custo real e rigoroso para os entes sociais quanto aos seus atos (doenças e acidentes) seja por prisão, multa, penhora ou confisco, não se espere “conscientização” de ninguem. Veja que essas empresas tem uma “conscientização” superior para negócios, montam sistemas de alta complexidade tecnológica, tem uma “conscientização” magnífica para operar no mundo globalizado. E porque não teriam a mesma competência para desenvolver mecanismos de proteção aos trabalhadores? será que uma nova NR vai trazer trazer mais inteligência para este Setor?
As reações à nova NR já aparecem, e os setores alegam que o setor avícola passa por uma crise pela forte elevação de custos de produção e assim a nova legislação traz inquietação para a empresas.
Ora, se as CPIs nas instâncias superiores da legislação não dão em nada para investigar e punir os crimes organizados, e dando um belo exemplo de como as leis são fiscalizadas, porque uma legislação inferior vai influir em alguma coisa? Portanto, é lamentável afirmar que o problema dos frigoríficos apresenta características que dificilmente vão ser resolvidas por mais uma NR. E isto é verificado pelos próprios técnicos do Governo. Veja abaixo, o que técnicos do Ministério do Trabalho e da Previdência apontam como os principais nós críticos da situação:
os trabalhadores, legisladores e operadores jurídicos enfrentam um agronegócio que exporta quase 20 bilhões sendo os maiores contribuintes e os que dão maiores “retornos fiscais” ao Estado. Obrigar esse pessoal a agir conforme a segurança e saúde dos trabalhadores é comprar uma briga com poderosos |
na Previdência, há um círculo vicioso, em que o trabalhador adoece e vai pro INSSS, não consegue mais retornar para o trabalho; e as empresas vão contratando outras. Como é a sociedade que paga, a empresa socializa os seus prejuízos; |
mesmo que o Ministério do Trabalho, com seu baixo contingente de fiscais que fiscalizam uma vez ou 2 vezes por ano e ainda assim lavrasse 50 autos de infração em cada auditoria, iria dar um custo médio de 300mil; se a empresa pagar a multa com desconto, vai dar uns 150 ou 200 mil, ou seja, uma migalha em relação às cifras envolvidas no agronegócio, ou seja, a empresa não sofre repressão suficiente para mudar sua voracidade de lucros ou tenha sensibilidade para mudar um ritmo que precisar ser cada vez mais acelerado; além disso, o custo para mudar os sistemas de trabalho seriam muito maiores; |
alguem pode dizer – tudo bem, mas e os custos de indenização quando o trabalhador sofre uma incapacidade as vezes definitiva? Uma amostragem de dezenas de processos oriundos dos sites dos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) de três estados que concentram importantes indústrias do “complexo carnes” (Goiás, Mato Grosso e Santa Catarina) revelou que as condenações impostas pelo Poder Judiciário aos frigoríficos resultam em indenizações de valor muito baixo que, em vez de inibir, acabam permitindo que novos acidentes ocorram, sinalizando que o ilícito cometido dentro dos frigoríficos não é tão grave e assim as empresas não se sentem preocupadas o suficiente ao ponto de investir em prevenção de danos, acidentes e doenças ocupacionais. Seria esse o cenário para uma “conscientização”? |
Considerando que é o lucro que move o capital, e que essa história de responsabilidade social se torna uma bandeira inócua quando se trata de grandes lucros no mundo globalizado, veja como a situação foi ficando na área dos frigoríficos e reflita se vc acha que uma nova NR vai mudar o quadro que se amplia em relação aos frigoríficos:
ASPECTOS ERGONÔMICOS:
REALIZAÇÃO DE VARIOS CORTES QUE EXIGEM MOVIMENTOS SUCESSIVOS |
18 MOVIMENTOS EM 15 SEGUNDOS |
80 A 100 MOVIMENTOS POR MINUTO (PADRÃO DE SEGURANÇA – 35 MOVIMENTOS POR MINUTO) |
FICAR MUITO TEMPO EM PÉ, FICAR MUITO TEMPO SENTADO |
Ou seja, o ponto crítico é o respeito às pausas e o redesenho das plantas de produção bem como a adoção de medidas de proteção para trabalhos sob risco de baixas temperaturas, aspectos já previstos na NR-17. Verifica-se que são medidas incompatíveis com a aceleração crescente dos ritmos, movimentos, pressão de prazos e necessidade de altos lucros. Como o Estado é o mediador, a ele caberia o arbitramento de punições mais rigorosas e não apenas multiplicar leis com os mesmos custos para as empresas, para que se dê uma aparência de mudança, mas que tudo continue na mesma.
RISCOS NOS FRIGORÍRICOS
6 VEZES MAIS QUEIMADURAS |
MAIS DE 500% DE EXCESSO DE RISCOS |
743% DE EXCESSOS DE RISCOS PARA LESÕES NERVOSAS |
2 VEZES MAIS RISCOS PARA TRAUMATISMO DE CABEÇA |
3 VEZES MAIS RISCOS PARA TRAUMATISMOS DE ABDOME, MÃOS E BRAÇOS |
QUASE 4 VEZES MAIS RISCOS DE DOENÇAS MENTAIS |
HÁ UMA VONTADE DELIBERADA DAS EMPRESAS EM NÃO PROTEGER |
BURLAS E FRAUDES NAS FISCALIZAÇÕES DO MINISTÉRIO DO TRABALHO |
ACELERAÇÃO DELIBERADA DOS RITMOS DO TRABALHO |
O STRESS DA COBRANÇA QUANDO HÁ VISITAS DE COMPRADORES EXTERNOS |
NÃO HÁ LIBERDADE PARA EXERCER SEQUER NECESSIDADES FISIOLÓGICAS |
FRIO EXCESSIVO POTENCIALIZA LESÕES NERVOSAS ASSOCIADO A BAIXA PROTEÇÃO CONTRA O FRIO |
QUANDO OS TRABALHADORES COMEÇAM A ADOECER, DEMISSÃO, E O CUSTOS DE INCAPACIDADE RECAEM SOBRE A PREVIDENCIA, MELHOR DIZENDO O CUSTO É SOCIALIZADO. |
NO ABATE DE BOVINOS, OCORREM DUAS VEZES MAIS TRAUMATISMO DE CABEÇA E 3 VEZES MAIS TRAUMATISMOS DE ABDOME, OMBRO E BRAÇO |
NO ABATE DE AVES A CHANCE DE UM TRANSTORNO DE HUMOR (DEPRESSÃO) É 3,41 VEZES MAIOR |
NINGUEM SE MEXE
Portanto, enquanto não estiver sinalizado que a penalidade pelo descumprimento de normas seja de fato elevado, as empresas não vão se mexer. E isso não é só para esta nova NR, mas para todas. Este blog já publicou vários artigos sobre o que ocorre em outros países, quando multas por simples acidentes chegam a quase 1 milhão de dólares. Reveja o post “Lições de um Acidente no Primeiro Dia de Trabalho” e constate a diferença de tratamento da Justiça naquele e no nosso país. Em post recente, a multa por um acidente de trabalho e ambiental nos Estados Unidos chegou a 4 bilhões.
Uma nova NR para o setor frigorífico, sem uma contrapartida de pesadas multas pelo seu descumprimento, e de respostas graves da Justiça do Trabalho quanto às doenças e acidentes, não conseguirá reverter os custos sociais que se avolumam, não só para frigoríficos, mas para acidentes com máquinas e no trabalho em altura, cujas novas NRs não parecem ter mudado o quadro existente. Como ocorre com algumas leis, normas e NRs, essa tambem pode acabar se tornando “letra morta”.
Veja mais sobre o assunto no site moendogente.org.br. Assista a um trailer do vídeo do Reporter Brasil sobre o trabalho nos frigoríricos, que foi premiado internacionalmente:
clique neste link para ver o trailer
Texto: Prof. Samuel Gueiros, Med Trab
Auditor Fiscal, Auditor OHSAS 18001
Coord NRFACIL
Estude todas as NRs utilizando o software NRFACIL, o primeiro aplicativo de NRs na Internet. Faça um download grátis e observe as principais ferramentas: dimensionamento de SESMT e CIPA, cálculo de infrações, play list de NRs
Este assunto volta sempre que sai nova NR. Realmente o que acontece é que nada acontece! O que nos falta é muita fiscalização e multas de “gente grande”. Parece aquela piada que diz : eu finjo que trabalho e eles fingem que me pagam. É o mesmo. O governo finge que fiscaliza e os empresários fingem que têm medo. O que o Brasil precisa é de responsabilidade. Em todos os aspectos da vida nacional o que se vê é isso. Falta de responsabilidade. Critica-se o povo americano, mas lá não se vê impunidade ao nível do que temos aqui.Em todos os aspectos, o Brasil se encontra face a um grande dilema: ou assumimos o que estamos fazendo para fazermos bem, ou seremos uma nação de corruptos, empobrecida moral e economicamente. Continuaremos a capitalizar os lucros e a socializar os prejuisos.
Após analisar a norma, verifiquei que a NR – 36 Segurança e Saúde no Trabalho em Empresas de Abate e Processamento de Carnes e Derivados.
Ela menciona muito sobre empresas que fazem abate e processamento de carnes.
Eu tenho uma loja, nessa loja tenho um açougue, o que muda para meus funcionários se eles não abate animais.
Olá, Fernando, o título da norma fala sobre “abate e processamento de carne e derivados”, portanto acredito que os açougues possam estar enquadrados nessa NR, visto que embora não realizem abate, mas “processam” carne e derivados.
Gostaria de saber sobre os intervalos e se já inculi a 01 hora do intervalo de almoço? Desde já agradeço a colaboração de todos.
Olá!!! Eu gostaria de saber em que Grupo de Classificação a NR 36 vai passar a pertencer?
Desde já, agradeço.
Atenciosamente,
Gilsimar
Boa tarde estou fazendo um TCC sobre frigoríficos, para conclusão do curso Tec. de Segurança do Trabalho, gostaria de usar seus textos para acrescentar parte no meu trabalho.. Abraços