EXISTIRIA UMA PROPENSÃO PARA ACIDENTES?
Reproduzimos um artigo de Robert Pater (RP) publicado no site OHS on line. O autor é especialista em gerenciamento de segurança e procuramos traduzir o artigo no formato de uma entrevista, de forma a tornar cada bloco de idéias mais claro para os nossos leitores. As perguntas foram formuladas pelo NRFACIL em cima das respostas do autor do artigo. Trata-se de reflexões sobre um problema que ocorre em alguns ambientes de trabalho: alguns empregados tendem a causar mais problemas, repetirem incidentes que acabam levando tambem a lesões repetidas. Será que você conhece algum trabalhador assim?
NRFACIL – Porque “Propensão a acidentes” ?
Robert Pater – Essa é uma discussão que vive se repetindo. Se você já andou por diversos ambientes de trabalho, você provavelmente já ouviu variações sobre essa discussão: “existiriam pessoas que são tão estabanadas, sem cuidado, sem coordenação, que vivem se acidentando no trabalho? E o que se poderia fazer pra esse pessoal? Que tipo de disciplina deve ser usada com esses “voadores”?
NRFACIL – Qual a sua experiência nessa área?
Robert Pater – Eu já trabalhei com várias empresas desenvolvendo intervenções a respeito de “repetidores de acidente” com relatórios de avanços positivos (mais de 80% de reduções na antecipação de acidentes daqueles previamente identificados como “repetidores”). E eu venho publicando artigos sobre esse tópico desde 1996. É claro que isso não me torna um sabe-tudo apenas eu me dedico a isso há algum tempo.
NRFACIL – Como se deve lidar com o problema?
Robert Pater – Em primeiro lugar é preciso selecionar algumas regras de percepção do problema. Por onde você olha e consequentemente por onde você não olha, vai determinar o que você faz. Tem um ditado que diz: se tudo o que você tem é apenas um martelo, o mundo parece que está cheio de pontas. Ou seja, você fica querendo usar sempre a mesma ferramenta e que todos os problemas vão se resolver com marteladas. Eu tenho observado que esse foco excessivo em alguns indivíduos com “tendencia a acidente”, desequilíbrios, ou tolerante a risco, está baseado numa convicção de que essa repetição consiste predominantemente ou quase inteiramente em um prolema pessoal, mais do que um problema do sistema. Mas isto não é o que eu encontrei trabalhando em diversas empresas e desenvolvendo relatórios detalhados de tentativas de intervenção baseados nessa premisa mas que ou morrem ou o tiro sai pela culatra. A tendencia é desconsiderar a possibilidade de que há um problema sistêmico e não individual.
NRFACIL – Geralmente o pessoal da Segurança costuma achar que esse tipo de problema está relacionado a falhas do trabalhador e a uma tendência de que ele sempre acaba se distraindo.
Robert Pater – É a mentalidade que leva a ação. Assim, aqueles que consideraram que múltiplos incidentes são causados por uma falhas/problemas pessoais/dificuldades por causa de um “repetidor de acidentes” acaba para uma atitude repetitiva de culpar, envergonhar e assim jogar a culpa nos trabalhadores. Ou seja, alguns líderes botam logo pra fora o martelo quando confrontado com uma frustrante série de lesões repetidas que acabam levando a performance da segurança pra baixo. Será que recorrer a punição é porque esses supervisores de segurança não sabem o que fazer mais? Ou eles mesmos não teriam a autodisciplina para controlar sua própria frustração?
NRFACIL – E como deve ser o foco desse problema para o supervisor?
Robert Pater – Os verdadeiros problemas são: 1) esse tipo de supervisores não está vendo o que realmente está acontecendo e assim estão aplicando o equivalente a usar um extintor de incêndio para combater um vírus, ou 2) suas soluções são frustradas pela experiência; ou 3) eles pensam que nada podem fazer e assim não tentam entender a repetitividade.
NRFACIL – Então não existe aquele trabalhador propenso a acidente?
Robert Pater – Não resta dúvida de que existem alguns trabalhadores que podem inicialmente ter menos coordenação e mais “distrações” com problemas familiares ou fora do trabalho e assim são menos efetivos do que outros em lidar com stress, etc. Mas esses representam um tipo de “repetidores”. Existem tambem alguns que levam a sério a política de segurança da empresa e notificam cada incidente que acontece; existem aqueles trabalhadores que tiveram uma má assistencia com uma lesão que nunca realmente se curou que os leva a problemas relacionados a essa lesão (por exemplo, problemas no joelho podem transferir força extra para a coluna). Por outro lado, eu observei alguns repetidores que eram altamente dedicados e algumas vezes trabalhavam demais e assim se expunham a riscos maiores. E muito mais.
NRFACIL – Quais os fatores que contribuiriam para a repetição?
Robert Pater – Existem diversos fatores que contribuem para a repetição, nos quais problemas pessoais de empregados são muito poucos. Assim, claro, empregados são geralmente parte do problema. Mas isto é diferente rotulá-los como o problema. Minha experiencia é que líderes efetivos não vêem só as árvores, eles vêem a floresta dentro da empresa, mas isso não é fácil para a maioria. Por exemplo, um supervisor de segurança recentemente perguntou-me o que fazer com trabalhadores que tem apresentando repetidas lesões relacionadas à não utilização da proteção contra quedas. Aqui eu sugiro considerar as seguintes questões: “existe uma associação de mensagens, avisos, sinalização ou uma cultura não verbal de expectativas de forma que os trabalhadores não tenham que se apressar demais, não empregar um tempo extra só pra deixar o trabalho concluído? Será que os trabalhadores foram treinados para usar o EPI de acordo com o que eles entendem e que possa ser facilmente aplicado? Teriam os supervisores reforçado de forma consistente e constante sobre o uso do EPI? Alguem levou em consideração a percepção dos trabalhadores a respeito do valor, conforto e praticidade do seu uso? Será que outros trabalhadores passam a desobedecer regras de segurança quando a carga de trabalho se torna pesada mas eles continuam a fazer o trabalho sem reclamação querendo terminar de qualquer jeito? E muito mais.
NRFACIL – Disciplina e Punição são medidas adequadas?
Robert Pater – Eu concordo totalmente que a disciplina é critica em relação a gerenciamento e liderança. Entretanto, quando não se consegue o que se quer, a solução mas comum para muitos supervisores fracos é igualar disciplina com punição. Mas disciplina literalmente tambem significa um campo de estudo, implicando em um aprendizado estruturado (assim como um discípulo aprende com o seu mestre). E mais ainda, avaliar pode geralmente tambem levar a uma atitude tipo: “eu posso ser avaliado, sou disciplinado e você não”. É preciso ir além da punição para aprender e consolidar o aprendizado para uma performance desejada.
NRFACIL – O medo da punição não levaria uma maior atenção e cuidado?
Robert Pater – A tentativa de provocar medo em outros sob o pretexto de ajustar um comportamento é no mínimo uma atitude muito limitada. Um executivo da Intel escreveu: “medo nunca motiva a performance de pico, apenas uma performance mínima”. Com certeza, eu tenho visto isto até agora – muitas vezes companhias acabam empegando a disciplina quando ocorrem acidentes repetidos (com atitudes onde falta uma visão sobre os “perpetradores” e assim adotando uma técnica de suspensão ou advertência). Eu nunca vi dar certo a mentalidade de culpar o trabalhador na criação e manutenção de um alto nível de performance em segurança – principalmente em problemas repetitivos.
Punição deve ser o último e não o primeiro recurso. Culpar de imediato trabalhadores e colocar uma lista de disciplinamento podem geralmente alimentar uma investigação de segurança superficial ou talvez resultar uma visão distorcida de que os trabalhadores estão aí mesmo para causar problemas de propósito. Verdadeiros líderes procuram focar no que eles podem fazer de forma diferente, onde eles podem assumir o controle para criar resultados superiores. Líderes fracos tendem a culpar e tentar forçar outros a mudar – ou seja, uma proposta de quem está perdendo.
Existe mais, claro. Estamos apenas arranhando a superfície do problema. Bons líderes procuram disciplinar a si próprios para ir além de uma simples resposta emocional ao problema.
Robert Pater é Diretor da Strategic Safety Associates (Associados em Segurança Estratégica), escreve em OHS on line.
Tradução: Prof. Samuel Gueiros, Med Trab, Coord NRFACIL
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