ACIDENTE DE TRABALHO, POLICIA E PERÍCIA
ACIDENTE DE TRABALHO, POLICIA E PERÍCIA
As questões em SST estão progressivamente ultrapassando as fronteiras da prevenção e da reabilitação.
Os grandes acidentes com mortes de trabalhadores e perdas patrimoniais estão experimentando cada vez mais uma maior visibilidade pública. O resultado é que não só a comunidade SST mas a população em geral vai tomando progressivamente mais informação e consciência desses eventos. E a partir da consciência social dos riscos e dos acidentes, outras instâncias vão reagindo e repercutindo, chegando aos níveis legislativo e jurídico.
Na década de 70 a construção da Ponte Rio-Niterói constitui um marco histórico sobre a ocorrência de inúmeros acidentes graves e mortes por acidentes de trabalho que não tiveram grande repercussão social. A consciência social de acidentes de trabalho ainda era restrita, visto que a censura do governo militar dissimulava os números reais, principalmente através da limitação da ação sindical. Nessa época, o Brasil tinha os maiores índices de acidente de trabalho no mundo, mas o país não tinha consciência disso.
Podemos analisar o curso histórico sobre o interesse e responsabilidades de acidentes de trabalho no Brasil através do relacionamento da legislação com a Convenção 81 da OIT, a qual estabelece os mecanismos para uma fiscalização estatal dos ambientes de trabalho. Por essa análise, observou-se que, ora a Convenção 81 era denunciada ou era ratificada ao sabor das circunstâncias políticas. Ou seja, quando o Governo tinha alguma consciência social, a Convenção era ratificada para incrementar a fiscalização e reduzir a precarização no trabalho. E quando o Governo era pressionado pelo capital, o Brasil denunciava a Convenção, e os índices de acidentes voltavam a subir.
Veja abaixo, como foi esse ciclo da Convenção da OIT No. 81 (Inspeção do Trabalho, ou Auditoria Fiscal do Trabalho), a partir da era de Getúlio Vargas, abordada em uma monografia do autor (Revista Jus Navigandi).
O Ministério do Trabalho é criado em 1930 e a Convenção No. 81 é ratificada em 1957 (ROSSO, S. 1997). Nas décadas de 60/70, o capital reage à evolução das conquistas sociais, instrumentalizando o Estado, para, agora com respaldo militar, estabelecer mecanismos de reversão dessas conquistas que no dizer de ROSSO (1999), “viraram ficção” e em 1971 o Brasil denuncia a Convenção No. 81. Era como se o Brasil disesse: não precisamos de fiscalização do trabalho. A estratégia de desenvolvimento nacional faz uma opção pelo capital intensivo, em detrimento do trabalho e o próprio Estado passa a subsidiar o capital com recursos públicos. (ROSSO, S.,1997). Com um formato recorrente, o lucro é privatizado e os prejuízos socializados.
Não demora muito, e sem um mínimo de fiscalização dos ambientes de trabalho, emerge a deterioração inevitável de indicadores sociais. O exemplo mais representativo consistiu nos números sobre acidentes de trabalho, cuja gravidade experimentou reverberação internacional (ROSSO, S., 1999). E mais uma vez, o capital é obrigado a algumas concessões e desse contexto nasce em 1978 a legislação sobre segurança e saúde do trabalhador instituindo-se as NRs, período que coincidiu com a abertura política e o fim do regime militar.
A posterior redemocratização do país assinala uma recuperação de direitos sociais que se cristalizam na Constituição de 1988, principalmente por dispositivos legais nacionais e internacionais destinados à proteção do trabalhador, da mulher e dos menores. Estabelece-se, também, a base constitucional para tornar a inspeção do trabalho carreira típica do Estado e o Brasil ratifica a Convenção No. 81 em 1987, no Governo Fernando Collor. Posteriormente, a legislação em SST foi assumindo um caráter mais complexo e a auditoria fiscal tornou-se rotina para a maioria das empresas.
Entretanto, não é só a Auditoria Fiscal a única vertente para o enfrentamento dos problemas nos ambientes de trabalho, sendo necessária a evolução de uma cultura de segurança no trabalho em todos os níveis.
GRANDES ACIDENTES
Um dos indicadores de evolução da cultura em SST é a consciência social do problema e que muitas vezes é resultado do impacto causado pelos grandes acidentes. Mais recentemente, por exemplo, os desabamentos ocorridos no metrô de São Paulo expuseram com mais clareza as responsabilidades e consequências para os diversos atores, como os técnicos, os trabalhadores e o Ministério do Trabalho e o assunto foi palco de várias reportagens e cobertura da mídia.
ACIDENTE NO CHILE
No plano internacional, o acidente com a plataforma da British Petroleum e principalmente com os mineiros do Chile, mobilizou a população de todos os países, que assistiou a esses acidentes e resgate de trabalhadores em rede mundial, de forma dramática. A imprensa ressaltou os riscos graves a que aqueles tabalhadores estavam submetidos, e que a mina já havia sido interditada várias vezes pelas autoridades, mas que as empresas, em conluio com autoridades judiciais, liberavam para o trabalho de alto risco. No caso da plataforma da BP o problema se intensificou pelas repercussões ao Meio Ambiente. Era a crônica de acidentes anunciados, como tantos no Brasil. Este Blog tambem abordou o assunto em 3 posts (clique aqui).
Nos últimos anos, a Internet e o Youtube passaram a divulgar quase que diariamente inúmeras situações de alto risco, incluindo acidentes de trabalho, expondo ainda mais as responsabilidades e o papel dos atores do mundo do trabalho. Se no passado predominavam as notícias, atualmente são as imagens, que falam com muito mais eloquência Veja aqui um exemplo.
A questão dos riscos, do controle e das responsabilidades dos riscos nos ambientes de trabalho multiplicada pela mídia, vem assim repercutindo progressivamente na população em geral. Assim, os acidentes estão cada vez mais sendo documentados – fotografados, filmados e divulgados pela midia em todos os níveis.
Como resultado dessa ampliação, as instâncias legislativas passam a repercutir com a mesma intensidade. Algumas ações fiscais estão sendo acompanhadas pelo Ministério Público bem como observa-se que as ações judiciais e jurisprudências sobre o assunto se multiplicaram. Nos últimos dias o Ministério Público do Trabalho iniciou uma campanha nacional, em horário nobre, alertando sobre os riscos dos acidentes.
Recentemente, após uma longa discussão, estabeleceu-se uma legislação para inflingir um custo fiscal às empresas a quem cabe a maior responsabilidade das doenças e acidentes, o NTEP-FAP. Este Blog já havia abordado essa situação através de posts sobre o assunto (clique aqui).
Mas já se preparam mecanismos reversores, com a idéia aparentemente bem intencionada de uma NR sobre Gestão e Certificação. Na verdade, o que se quer com essa nova NR é exatamente reverter o curso fiscal que porventura venha a ser imposto às empresas pelo NTEP-FAP por uma Certificação “favorável”. Veja artigo sobre o assunto publicado no site www.nrfacil.com.br. Este mecanismo já existe em outros países, revertendo-se os custos fiscais por infração às normas de SST quando a empresa se compromete efetivamente com a sua responsabilidade social. Mas no Brasil há o risco de que essa idéia possa se deteriorar em caso de a Certificação ficar nas mãos de empresas independentes, fora da Auditoria Fiscal. Se na Auditoria Fiscal já existe corrupção, imagine-se em caso de delegar-se Certificações a empresas privadas.
Ou seja, não são só os fatos mas as consequências e repercussões jurídicas que vão introduzindo cada vez mais as questões SST na agenda da sociedade.
REFLEXÃO
Veja no site NRFACIL 2 artigos muito importantes e esclarecedores sobre o estado atual da SST na agenda social.
O primeiro artigo é do Médico do Trabalho e Perito Dr. Mário Mueller, abordando questões éticas na perícia relacionada a agravos à saúde do trabalhador. Ele complementa de forma precisa o artigo anterior do Prof. Airton Marinho sobre os “novos adoecimentos” no trabalho.
O segundo artigo é do Eng de Segurança Amaro Walter, traçando um histórico e circunstâncias sobre a idéia da instalação de uma Polícia Especial para investigação de acidentes de trabalho, idéia que ressurge agora no Rio Grande do Sul.
Prof. Samuel Gueiros, Med Trab, Coord NRFACIL
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