(NR-12) GRAVE E IMINENTE RISCO É UM CONCEITO SUBJETIVO OU OBJETIVO?
NR-12 EM DISCUSSÃO: GRAVE E IMINENTE RISCO
Em documentos recentes, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) tem contestado a NR-12 e por último criticou uma suposta subjetividade nos conceitos de Embargo e Interdição e de “falha segura” incluídos na nova redação.
Este post e o próximo pretendem apresentar fatos e argumentos a respeito desses dois conceitos.
O TRABALHADOR TAMBEM PODE “INTERDITAR”
MÁQUINA OU EQUIPAMENTO?
Em primeiro lugar é preciso ficar claro que o próprio trabalhador pode tomar a iniciativa de uma “interdição”. Essa prerrogativa está consolidada no Brasil e em vários vários países, inclusive caracterizando o ato como de “boa fé”.
Ela está fundamentada no art.13 da Convenção n. 155 da OIT, ratificada pelo Brasil, com a seguinte redação que vai aparecer subsequentemente nas normas regulamentadoras (NRs):
De conformidade com a prática e as condições nacionais, deverá ser protegido, de consequências injustificadas, todo trabalhador que julgar necessário interromper uma situação de trabalho por considerar, por motivos razoáveis, que ela envolve um perigo iminente e grave para sua vida ou sua saúde. O perigo grave e iminente mencionado pode ser conceituado como sendo toda e qualquer condição ambiental que esteja na iminência de propiciar a ocorrência de acidente de trabalho, inclusive, em suas variantes de doença profissional ou do trabalho, com lesões graves à saúde ou a integridade de pelo menos um trabalhador, senão a própria morte deste.
Assim sendo, o trabalhador não pode ser penalizado pelo empregador por estar exercendo o direito legítimo de defesa de sua vida, que é decorrência natural do princípio da indisponibilidade da saúde do trabalhador prevista sobretudo na Constituição Federal (art. 6º e art. 7º, XXII).
O Ministério do Trabalho nos Estados Unidos permite ao trabalhador recusar a trabalhar se alguma das condições abaixo for constatada:
– quando possível, o trabalhador reclamou sobre o perigo, mas não foi atendido;
– o trabalhador tem clara intuição em “boa fé” (como se diz atualmente “de boa”) que existe de fato um perigo iminente;
– uma pessoa que conhece a situação tambem concorda, e finalmente, não há tempo para fazer uma chamada ao Ministério do Trabalho para averiguar.
No Ministério do Trabalho do Canadá, as regras são as seguintes:
– o risco que justifica a recusa deve ser apresentado pelo trabalhador e imediatamente investigado;
-o trabalhador deve esperar em um lugar seguro enquanto os supervisores avaliem a situação e que ele pode fazer outro trabalho, se for ordenado;
– que o trabalhador deve ser parte da investigação do problema inclusive porque é ele quem vai decidir voltar ao trabalho caso o problema seja resolvido;
-se após os procedimentos tomados pela empresa o trabalhador ainda achar que o risco existe, ele deve se recusar e aguardar uma investigação por parte do Ministério do Trabalho;
-se o problema for resolvido, o trabalhador deve retornar às suas tarefas;
Ou seja, concluimos que há aí de fato elementos subjetivos e objetivos para avaliação de um risco ou perigo para uma interdição, mas isso não desqualifica a sua legitimidade.
O Direito Subjetivo define que uma pessoa age em função de seus interesses invocando as normas existentes do Direito Objetivo que possam defende-lo e protegê-lo, portanto, um exercício consolidado na sociedade. Assim como a direção da empresa emprega a avaliação subjetiva dos seus dirigentes para investir e buscar lucros ou evitar prejuízos, assim o trabalhador pode avaliar de forma subjetiva se o seu trabalho apresenta riscos para prejudicar a sua vida e a sua saúde. Ou seja, o trabalhador deve saber que pode interromper o seu trabalho pois há uma lei objetiva que se harmoniza com a sua própria noção subjetiva de defesa, segurança e proteção da vida.
Entretanto, é preciso ficar claro que o direito de recusa do trabalhador em situação de grave e iminente risco no Brasil torna-se muitas vezes artificial na prática pelas barreiras existentes ao exercício desse direito. Em primeiro lugar, pelo fato de o trabalhador estar em completa subordinação ao empregador, de poder ser dispensado a qualquer momento, mesmo sem justificativa, e na maioria das vezes desconhece os seus próprios direitos trabalhistas; além disso, os trabalhadores são em sua grande maioria carentes de qualificação e informação, inclusive sobre os próprios riscos.
O DIREITO DE RECUSA (INTERDIÇÃO)
POR PARTE DOS TRABALHADORES NAS NRs
Em várias NRs está facultado ao trabalhador o direito de recusa a trabalhar em situação de risco, ou seja, um espécie de “auto-interdição” baseado em fatores subjetivos e objetivos. Comecemos pela NR-9 (PPRA). No site NRFACIL abra a pasta da NR-9 e utilizando o Remissivo, localize o item 9.6 em que há a prerrogativa de recusa coletiva a trabalhar em situações de iminente risco (veja infográficos capturados do site):
A mesma prerrogativa aparece na NR-10, ampliando essa subjetividade para que o trabalhador perceba o risco não só para a sua segurança mas também a de outras pessoas que possam estar em áreas de risco. Abra a pasta da NR-10 e no Remissivo localize o item 10.14:
Agora, abra a pasta da NR-12 e no Remissivo encontre o item PROCEDIMENTOS DE TRABALHO E SEGURANÇA. O item 12.131 indica que o trabalhador pode “interditar” a máquina ou equipamento desde que ao efetuar uma inspeção rotineira constate anormalidades que afetem a segurança:
E, ainda, a NR-22, onde pode haver uma proposta coletiva dos trabalhadores no processo de “interdição” do trabalho (item 22.3.4):
O DIREITO DE INTERDIÇÃO POR PARTE DA AUDITORIA FISCAL
Vistas as NRs que estabelecem o direito do trabalhador de praticamente “interditar” máquina ou equipamento, vamos agora estudar essa prerrogativa na perspectiva do Auditor Fiscal do Trabalho. A faculdade de embargo e interdição e a competência da auditoria fiscal é clara, principalmente na NR-28, que trata especificamente do assunto. É comum pensarmos imediatamente na NR-3 (Embargo e Interdição) mas ela apenas define essas expressões. É na NR-28 que se estabelece a verdadeira dinâmica desse processo, inclusive dos custos fiscais que as empresas correm pelas inconformidades legais.
Abra a pasta da NR-28 e no Remissivo procure o item Embargo ou Interdição. Observe que agora, a norma estabelece a necessidade de “critérios técnicos” para propor a interdição, ou seja, agora incluindo critérios objetivos para a interdição:
Em ambas as situações, seja por parte do trabalhador (que geralmente tem conhecimentos técnicos mais limitados) seja por parte do Auditor Fiscal (que deve apresentar conhecimentos técnicos específicos), há uma combinação de fatores subjetivos e objetivos.
Outras NRs falam de grave e iminente risco, como a NR-13, 15, 22, pesquise mais no site NRFACIL sobre o assunto.
O DECRETO DO SISTEMA FEDERAL DE INSPEÇÃO DO TRABALHO
E, finalmente, para consolidar esse contexto de legalidade e legitimidade, há o Decreto que organiza o Sistema Federal de Inspeção do Trabalho (SFIT) que no site NRFACIL está incluído na pasta da NR-28, de forma inédita. Trata-se de um decreto presidencial que consolida a auditoria fiscal como a instância legal para lavrar autos de infração, e propor à autoridade regional A INTERDIÇÃO, de setor de serviço, máquina, equipamento, obra, quando constatar situação de grave e iminente risco. Neste caso, é necessário a emissão de um laudo técnico, portanto, um documento objetivo e fundamentado.
CONCLUSÃO
Assim, se a legislação reconhece que o próprio trabalhador, antes de tudo, tem o direito de recusar-se a trabalhar por verificar no espaço de sua subjetividade, bom senso e limitado conhecimento técnico uma situação de grave e iminente risco, a faculdade do embargo e interdição outorgado à autoridade fiscal reveste-se de ainda mais legitimidade em vista da competência técnica do agente. Este, dispõe, além de igual subjetividade, bom senso e intuição, a prerrogativa de agente público com formação técnica comprovada por provas e títulos, para verificar a gravidade de um risco e assim propor essa penalidade, situação que inclusive está consolidada em jurisprudência. Não há nenhuma dúvida por parte do CNI em relação a esses conceitos, apenas mais uma tentativa de fragilizar a NR-12.
A lição que se pode extrair dessa “crise da NR-12” é que os agentes públicos da burocracia do Ministério do Trabalho precisam dar mais atenção à estrutura de cada NR, evitando-se a superposição, redundância, clones e inchaço das NRs, o que acaba dando munição aos representantes do capital para detonar a legislação. Veja neste Blog um post em que a Senadora Katia Abreu detona a NR-31.
Como sempre, brilhante exposição.